ARTIGO, ego vs Arete.
"Só não toque no pergaminho."
RPG, A ULTIMA ARTE!
Lillian Potter
5/12/20254 min read


O Desejo Emocional e a Ilusão do Poder Mágico: Um Estudo sobre as Armadilhas Psíquicas do Praticante
No caminho da magia e da espiritualidade, muitas virtudes são evocadas como chaves de realização: concentração, convicção, silêncio mental, disciplina, entre outras. No entanto, uma das maiores armadilhas para o praticante é a confusão entre o desejo emocional e o verdadeiro poder mágico. Essa distorção não apenas compromete a eficácia do trabalho mágico, mas também pode levar o magista a uma jornada de ilusão, frustração e autoengano.
Neste artigo, exploraremos como essa confusão ocorre, por que ela é tão comum, e como o praticante pode desenvolver discernimento para evitá-la. Traremos exemplos de diferentes tradições, experiências práticas e análises psicológicas.
O que é o "desejo emocional"?
O desejo emocional é um anseio visceral, carregado de paixão, medo, esperança ou carência. Ele está enraizado na personalidade inferior e geralmente busca gratificação imediata ou compensatória. Pode surgir de traumas, inseguranças ou necessidades não reconhecidas.
Na magia, esse tipo de desejo frequentemente se disfarça de "intento mágico". O praticante acredita que está exercendo sua vontade, quando na verdade está apenas projetando suas carências emocionais no plano ritual.
Exemplo: Um praticante realiza feitiços de amor repetidamente, convencido de que está atraindo a alma gêmea. Mas sua real motivação é o medo de estar só, a ansiedade por validação e o desejo de controle sobre o outro.
O que é o verdadeiro poder mágico?
O verdadeiro poder mágico é a manifestação consciente da vontade superior, alinhada ao ser essencial do praticante. Ele é fruto de lucidez, concentração, e compreensão profunda dos princípios universais. Não é impulsionado por carências emocionais, mas por uma intenção clara e serena, muitas vezes desapegada do resultado.
Exemplo: Um magista realiza um ritual de proteção para sua família, não por medo obsessivo, mas como um gesto de cuidado consciente, sem se apegar à ideia de que pode controlar todas as variáveis do destino.
Como a confusão ocorre: mecanismos comuns
Autoidentificação com o desejo: o praticante acredita que seu desejo é sua vontade, sem perceber que esta pode estar sendo distorcida por emoções intensas. O ego emocional toma o lugar do Eu profundo.
Carregamento emocional é confundido com poder: uma emoção intensa durante o ritual (choro, euforia, arrepios) é tomada como sinal de eficácia, quando muitas vezes é apenas uma liberação catártica.
Resultados aleatórios são interpretados como sucesso mágico: o praticante vê coincidências como confirmação absoluta de que seu "poder" está funcionando, reforçando um ciclo de ilusão.
Dependência de ritual como alívio emocional: ao invés de trabalhar internamente suas dores, o magista usa a magia como fuga ou paliativo emocional, esperando que o universo o "salve".
Consequências da confusão
Frustração: como o desejo emocional é volátil e egóico, os resultados raramente se manifestam como esperado, gerando sensação de fracasso.
Dependência mística: o praticante passa a usar magia como uma droga psíquica, buscando sensações e escapes.
Desvio do caminho espiritual: em vez de buscar autoconhecimento e integração, o magista se prende em ciclos de reforço do ego e da carência.
Autoengano: talvez o mais perigoso, pois impede que o praticante reconheça seus próprios limites, projetando uma imagem falsa de si mesmo como poderoso e desperto.
Perspectivas de tradições esotéricas
Hermetismo
No hermetismo, particularmente no Kybalion, há a distinção entre vontade inferior (desejos passageiros) e vontade superior (a vontade alinhada ao Todo). Trabalhar com desejo emocional é considerado manipular as sombras da realidade, enquanto o verdadeiro magista opera com leis mentais mais elevadas.
Magia do Caos
Mesmo sendo mais livre em termos simbólicos, a magia do caos alerta para a diferença entre gnose (estado de acesso profundo ao inconsciente) e simples emoção crua. A verdadeira gnose requer silenciamento da mente e clareza, não apenas intensidade emocional.
Cabala Hermética
Na Árvore da Vida, o princípio de Tiphareth (Beleza) representa a vontade equilibrada e centrada no Eu Superior. Desejos emocionais estariam nos planos mais baixos, como Yesod (astral) e Netzach (emoções). A verdadeira magia vem do alinhamento com Tiphareth, não da agitação inferior.
Exemplos práticos
Um estudante de magia realiza um ritual para conseguir um emprego. Ele se desespera emocionalmente, coloca toda sua ansiosa esperança no ritual, mas à menor demora no resultado, perde a fé. Sua energia emocional estava tão ligada à insegurança que bloqueou a manifestação.
Uma sacerdotisa realiza uma cerimônia para a cura de um ente querido. Seu ritual é intenso, mas profundamente entregue à dor e ao medo de perda. A emoção toma conta, mas a mente perde clareza, e o foco mágico se dispersa. O ritual, embora sincero, não foi eficaz.
Um ocultista realiza um feitiço de vingança. Ele sente que está exercendo sua vontade, mas está agindo sob raiva reprimida. A intenção está contaminada por sombra e carência de poder, o que gera um ciclo cármico negativo.
Como evitar essa confusão: caminhos de discernimento
Meditação regular: silenciar a mente ajuda a distinguir entre impulso emocional e intuição real.
Registro Mágico: escrever antes e depois dos rituais permite identificar padrões emocionais e resultados reais.
Perguntar-se honestamente: "Estou agindo por medo ou por sabedoria? Este desejo vem do meu centro ou de uma carência?"
Estudo sério da simbologia: entender o significado profundo dos rituais evita o uso superficial ou emocionalizado dos símbolos.
Trabalho com sombra: integrar traumas e desejos inconscientes permite que a vontade se liberte de distorções.
Conclusão
A confusão entre desejo emocional e poder mágico é uma das mais sutis e comuns entre praticantes iniciantes e experientes. Requer coragem, lucidez e humildade para reconhecer quando estamos projetando nossas emoções no universo, ao invés de verdadeiramente exercer a vontade.
A magia, quando verdadeira, é serena, clara e precisa. Ela não precisa de desespero, nem de histéria. O verdadeiro magista sabe que o poder não está no grito da alma ferida, mas no silêncio da mente desperta.
Que cada prática nos aproxime menos da carência e mais da verdade interior. Pois ali reside a verdadeira alquimia do ser.